sexta-feira, setembro 29, 2006

"Young People, Old Voices" de Raimund Hoghe

(http://www.culturgest.pt/actual/young_people.html)

Gostei, de facto, muito. Este espectáculo, algures entre a dança e o teatro, trouxe-me alguma paz e fez-me sair a sentir que de facto era algo mais do que quando entrei. Foram três horas de pura exaustão psicológica para quem se prestou a isso. Tudo exige que lhe encontremos o sentido, o significado, a mensagem. A música ora embala ora comunica.

O lavar das mãos, a água que purifica e cintila...

A aversão à regra e ao padrão (que começa por nos irritar porque lutamos contra isso, porque nos deixa desconfortáveis)... O afirmar da individualidade de cada um em cada momento - fazer 2 grupos de 3, 1 de 2 e 1 de 4 porquê? Quando 3 grupos de 3 era muito mais simples?...

Aquele, o eterno outsider, que observa o grupo de fora - os tais que embora individuais, com os seus próprios tempos e gestos, não deixam de ser uma unidade - fica assim e aguarda... Sente que aquilo que tem para dizer não tem ouvidos à sua espera. Quantas vezes passaram já por isso?

O momento em que ficamos sózinhos - durante o qual podemos construir algo ou simplesmente perder tempo - e o momento em que nos vimos em papéis trocados, que não compreendemos e não escolhemos, mas aos quais acabamos por nos acostumar. Mas tudo isto entre a dança e o bom que é saltar e correr e abraçar a vida. Entre momentos em que se expressam sonhos e projectos - jogar á bola, voar...

Depois há o caos e a guerra. Essencialmente a guerra interior que se passa dentro do jovem que se faz acompanhar do velho - seja espírito, seja consciência, seja real - que ora ensina, ora magoa, ora aplaude. E os obstáculos que o fazem cair e saltar barreiras e outra vez a água. Gostei especialmente de um momento ao som de "I wish you love" de Natalie Cole em que os gestos nos faziam ver que, mesmo depois de um amor que se liberta por ter chegado ao fim, existe algo inegável que fica dentro de nós - existe algo que crescemos e é para sempre nosso.

No fundo a peça é uma grande viagem ao interior de nós mesmos. Tudo nos leva à instrospecção - desde o conforto da sala e da luz baixa, ao som e à simplicidade da cena (sempre as mesmas roupas e sem qualquer peça de decoração em palco).

Toda esta interpretação é, portanto, só minha, está claro. É feita à luz do que sou hoje, do que aprendi e do que me aflige - daquilo que dentro de mim anda à procura de explicação e conforto. A verdade é que esta peça me trouxe paz porque exaltou a minha capacidade de pensar o mundo e relembrou-me o desejo que tenho de fazer dele um lugar melhor com as minhas próprias mãos. Raimund Hoghe escreveu: "Pier Paolo Pasolini escreveu sobre lançar o corpo na luta. As suas palavras inspiraram-me para subir ao palco". Posso então dizer que em mim encontrou eco e foi isso que me transmitiu. Diria que praticamente me obrigou a olhar para o meu futuro e perceber que tenho pouco tempo a perder e que preciso urgentemente criar beleza à minha volta, rodear-me dela, e ser feliz fazendo outros felizes. Porque tal como nesta peça, grande parte do "prazer que fica depois de comida a fresca cereja" é o prazer que proporcionámos ao próximo - o que lhe demos.

2 comentários:

Cate disse...

aaah, entao era disto q estavas a falar lá no caxin-bar!

Anónimo disse...

Sinceramente? Duvido que alguém conseguisse dizer mais - e melhor!- deste espectáculo que tu. Sintetizaste não o espectáculo, mas tudo aquilo que ele tem de bom - e com algum brilho, diga-se de passagem :) Porque o teatro foi exactamente isso: Foi partilha, descoberta, originalidade, quebra de rotinas... Nomeadamente do conceito de padrão, a que estamos tão habituados que já é mais um elemento de conforto no nosso quotidiano... Os sons, que de tão escassos eram todos ouvidos com a maior atenção, e dada a lentidão dos movimentos, estes eram todos também inspeccionados minuciosamente... A recusa de contributo para esteriótipos estabelecidos, a escolha de dançarinos altos, baixos, morenos, loiros, gordos, magros, e a intervenção do próprio coreógrafo no espectácu-lo tornam-no, no mínimo, especial...
O facto de os movimentos serem todos processados lentamente ajuda o espectador a valorizar todas as pequenas acções dos dançarinos, que na sua maioria são bastante simbólicas... Se o teatro não tivesse esta configuraçao espacial seria impossivel ter metade das reflexões, nao e? Beijinho grande!* :)